Fotos: Arquivo pessoal Mateus Forte
Excêntrico, único, individual e meio fora da caixinha!
Francisco Mateus Forte Matias, também conhecido como Mapheus ou Matias. Ele tem 25 anos, é roraimense, ilustrador, DJ, estudante de Artes Visuais na Universidade Federal de Roraima e aquariano (não necessariamente nessa ordem). Além de criar suas próprias roupas para trabalhar como DJ, ele brinca com as performances de drag queen em festas LGBTQIA+ de Roraima, embora performar no meio público não seja tão habitual quanto nas redes sociais. Mateus passeia no limbo entre os millennials e a geração Z. Nascido em 24 de janeiro de 1996 na cidade de Boa Vista, o jovem cresceu influenciado pela tv, internet e o mundo pop.
Vai Pikachu, choque do trovão!
Os trabalhos desenvolvidos pelo artista roraimense são inspirados em elementos do universo drag, k-pop e animes. Existe uma forte inspiração no mangá na composição de suas ilustrações, e pensar que isso tudo começou quando criança ao ganhar do pai um DVD que ensinava o estilo japonês.
Os animes foram elementos importantes na sua construção de identidade como pessoa e profissional, seus favoritos eram Pokemón, Digimon e Sailor Moon. Mateus foi uma criança cercada por referências do mundo pop, seja na TV ou na internet. Ele cresceu vendo séries e desenhos animados como As Visões da Raven e Três Espiãs Demais, além de acompanhar a vida e carreira das divas pops como Beyoncé e Britney Spears. Por se ver na necessidade e desafio de sozinho aprender a desenhar, costurar, maquiar e utilizar o programa de edição de imagens Photoshop o artista se considera um autodidata.
Os primeiros desenhos começaram ainda na infância, desenhava seus bonecos à mão, longe da tecnologia das canetas touch e mesas digitalizadoras de hoje. Por insistir muito em seus interesses particulares, o jovem e curioso Mateus recebeu de sua mãe uma máquina de presente que não usava mais. Assim que voltou do conserto, a máquina passou a servir como primeiro instrumento de trabalho e esse foi um incentivo para dar início a sua jornada profissional. Muito embora ele se orgulhe de ter aprendido a costurar sozinho, observando a mãe ou nos tutoriais da internet.
Mateus é símbolo de resistência e empoderamento.
Com o passar do tempo, Mateus começou a desenvolver cada vez mais técnicas novas e criar sua própria maneira de ser e existir, isso repercutiu diretamente em suas obras e em seu trabalho e estilo criativo enquanto artista. Em paralelo, as nuances, formas, formatos, texturas, acabamentos e preferências iam se moldando e moldavam quem ele era, o que ele era e quem ele queria ser. Ele viu na possibilidade da arte a resistência e empoderamento necessários enquanto ser humano. Levou certo tempo até Mateus perceber a dimensão e força do seu trabalho, afinal, não eram apenas desenhos ou arte por si só, mas havia também todo um simbolismo enquanto pessoa na descoberta da sexualidade, da identidade e representatividade, especialmente a LGBTQ+ e enquanto pessoa negra. Ou melhor, enquanto pessoa.
De Roraima para o mundo.
Os looks do artista são criativos, bonitos e chamam muito a atenção. A boa receptividade do seu trabalho foi parte importante no processo de autoaceitação como pessoa negra e LGBTQIA+, e servem de inspiração para outros artistas iniciantes. No começo não foi fácil, aplaudido por alguns e criticado por outros. Aos poucos Mateus foi construindo seu espaço.
Com o compartilhamento de suas criações no Instagram, foi notado por diversos artistas nacionais e internacionais, como: Iggy Azalea, Pabllo Vittar, Gloria Groove, Anitta, Gaby Amarantos, Banda Uó, Little Mix, Davi Sabbag, Nicki Minaj, Iza, Karol Conká, Mateus Carrilho, Potyguara Bardo, entre outros. A lista só aumenta dia após dia. Ao mesmo tempo em que é percebido por esses artistas, novos seguidores surgem, são pessoas curiosas por seu trabalho.
Atualmente, Mateus possui mais de 35 mil seguidores na rede social Instagram, onde publica suas criações, ele se orgulha em dizer que não comprou seguidores ou pagou por propagandas, tudo veio de forma orgânica. No canal do Youtube, é possível encontrar suas criações, processos criativos e alguns tutoriais D.I.Y (Do It Yourself). As criações artísticas de Mateus Forte já chamaram a atenção de integrantes do programa norte americano RuPaul's Drag Race. Doja Cat, Jessie J e outras compartilharam as ilustrações do roraimense.
Mateus já publicou centenas de ilustrações nas redes sociais, especialmente no Instagram. O artista também publica em seu canal no Youtube todo o processo de criação de suas obras e possui significativa notabilidade por lá. O trabalho e reconhecimento de Mateus mostram que no Norte é possível encontrar excelentes e criativos artistas. E a internet, claro, ajudou a levar isso para outros expoentes.
Um café, por favor.
Combinamos um encontro para a entrevista na cafeteria Jardim Café, às 16h30 do dia 8 de outubro de 2021. Convidei meu personagem para tomar um café gelado enquanto conversamos naquela tarde estranhamente nublada em Boa Vista. As perguntas da entrevista estavam prontas, no entanto, como marinheira de primeira viagem em biografias estava levemente sem graça, não queria chegar perguntando sobre aspectos tão pessoais, seria um pouco desconfortante talvez. Então nos cumprimentamos...
Mateus quer conquistar o mundo.
No encontro Mateus pareceu bem calmo, pouco falante e muito observador. Meu plano inicial era quebrar o tal gelo para que construíssemos um rapport mínimo e que a partir dele eu conseguisse diálogos mais intensos necessários para extrair informações mais fidedignas de meu entrevistado. Então, achei importante começar as perguntas da entrevista de forma variada, dar espaço para o riso, tornar o momento mais descontraído possível.
Glenda: Ele, ela ou elu? Ou tanto faz?
Mateus: Ele ou tanto faz.
Glenda: Quem é Mateus Forte?
Mateus: Eu sou um jovem ilustrador de 25 anos que mora em Roraima.
Glenda: Onde o Mateus Forte quer chegar?
Mateus: Eu acho que assim como a maioria, conquistar o mundo.
Glenda: Pelo que você se sente mais grato na vida?
Mateus: É bem difícil né, ainda mais atualmente. Estou grato por estar vivo e ter saúde. E por saber que penso diferente da maioria das pessoas daqui, política, econômica e social.
Glenda: Lula ou Bolsonaro?
Mateus: Lula. (Risos)
Glenda: Se você pudesse mudar alguma coisa sobre a maneira como foi criado, o que seria?
Mateus: Eu acho que nada. Porque se não fosse daquela maneira eu não sou como sou hoje. Acho que tive uma infância bem normal. Meus pais sempre foram protetores, e eu quase não dei trabalho. Sempre fui mais introvertido, sempre procurei desenhar, assistir desenho, televisão, ler revistas. Na escola eu tinha amigos na escola e no bairro. Estudei na escola Princesa Isabel até o 3 período e na Fundação Bradesco até o 3 ano.
Glenda: Se uma bola de cristal pudesse revelar algo sobre você, sua vida, seu futuro ou qualquer outra coisa, o que você gostaria de saber?
Mateus: É difícil, porque às vezes a gente não pode se agradar com o futuro. Eu só queria um conselho ou então uma dica sobre a carreira, se a gente estará vivo, se o mundo vai existir.
Glenda: Tá bom, vamos imaginar agora. Ok, vamos exercitar a imaginação. Se hoje à noite antes de dormir aparecesse uma fadinha mágica com sua varinha com condão e pudesse te realizar 3 desejos e pela manhã ao acordar tudo seria realidade. Quais seriam esses pedidos e por quê?
Mateus: Eu ia pedir primeiro que ela fosse a minha fada madrinha pra sempre. (Risos). Dinheiro como a maioria pediria, ficar rico. Segundo, começar a ter meu trabalho notado e mais reconhecido e assim poder gerar mais dinheiro acho que isso vale mais pro primeiro pedido, né? O segundo seria a queda do Bolsonaro, que nunca mais volte. (Risos). Em terceiro, acho que seria mais questões ambientais, que as pessoas se conscientizem mais, que o mundo possa respirar melhor.
Mateus explica que gostaria de morar fora de Roraima ou do Brasil, citando isso algumas vezes. Ele se orgulha em dizer que pensa diferente da maioria das pessoas daqui, especialmente no que diz respeito aos aspectos políticos. Talvez estivesse falando do conservadorismo e do grande eleitorado com posicionamento de direita.
Boa parte dos pedidos encomendados ao artista é online, uma parte feitos por roraimenses, especialmente pedidos físicos. Os clientes de fora do estado e do Brasil, por sua vez, solicitam trabalhos digitais. E nisso, Mateus já consegue viver das suas criações e monetizar seu trabalho.
Glenda: Qual é a sua memória mais querida ou mais feliz?
Mateus: Eu acho que quando algum artista me nota. Aumenta o meu ego como artista. A primeira vez a gente nunca esquece. A Iggy Azalea, em 2014.
Glenda: Qual é a sua memória mais terrível?
Mateus: Acho que todos os traumas de infância. Houve comentários na escola. Racismo e homofobia.
Glenda: Se você soubesse que em um ano você iria morrer de repente, você mudaria alguma coisa sobre a maneira que você está vivendo agora? O que seria e por quê?
Mateus: Eu acho que não mudaria muita coisa não, talvez comeria mais besteira. (Risos).
Glenda: O que é que a amizade significa para você?
Mateus: Eu acho que as pessoas romantizam demais um amigo, uma amizade, e às vezes você nem percebe o quão importante é uma amizade com tanta gente ao redor de você. Têm amizades que você pode passar dias ou anos sem se falar, sem ter contato mas que pode valer muito mais do que alguém que você vê todo dia.
Glenda: Quais papéis que o amor e afeto representam ou exercem na sua vida? Mateus: A partir do momento que você percebe algum carinho, algum saldo positivo,
alguma mensagem positiva, algum incentivo você começa a perceber que é valorizado e querido. Eu acho que assim que você vai percebendo. Às vezes não é fácil pra todo mundo. É um processo de autoconhecimento e autoamor.
Nesta altura da entrevista é possível notar certo distanciamento afetivo de Mateus, especialmente em relação aos familiares mais distantes e até a sua própria família. A maior parte mora no nordeste, no Ceará. O distanciamento geográfico contribui assim como a própria personalidade do entrevistado. Ele sinaliza em poucas palavras o relacionamento com os familiares: “Eu também sou bem introvertido, e não abro tanto espaço pra eles”. Mateus expressa em suas falas certa mágoa, por não ter recebido o incentivo que desejava ou pelas críticas na escolha da profissão. Apesar disso, ele dá sinais de bom humor e otimismo.
Glenda: Como você considera a sua relação com seus pais?
Mateus: Eu acho a relação normal, a gente não tem aquele afeto tão grande como muitas pessoas têm com os pais. Mas é uma relação mais saudável que tóxica. (Risos)
Glenda: Qual foi a última vez que você chorou na frente de outra pessoa? Ou isso nunca aconteceu? E chorar sozinho?
Mateus: Acho que só quando eu era criança. Sozinho, foi quando assisti alguma coisa, alguma série.
Glenda: Quem são as pessoas mais importantes da sua vida?
Mateus: Acho que a minha família, principalmente. Acho que a minha mãe.
Glenda: O que é muito sério pra virar piada?
Mateus: Qualquer piada com uma pessoa LGBT, sobre preto e até mesmo capacitismo.
Glenda: Se você fosse morrer esta noite sem a chance de se comunicar com ninguém, o que você mais se arrependeria de não ter dito a alguém? Por que não disse ainda?
Mateus: Pague meu dinheiro! (Risos). Acho que nada, tudo o que eu já disse tudo o que teria pra falar. Talvez uma despedida seria o que eu me arrependeria. Eu acho que eu sou mais de falar o que me incomoda do que eu gosto. Se algo me incomoda eu falo, mas se tá bem, eu continuo.
Glenda: O que uma pessoa precisa ser ou fazer para acessar as suas camadas mais profundas?
Mateus: Ah, tem que trabalhar muito! (Risos). Eu tenho que criar muita confiança nessa pessoa, algo que não é fácil pra mim.
Glenda: Como todo bom aquariano, né? (Risos)
Mateus: Isso. (Risos)
Glenda: Mateus, a sua casa pega fogo com tudo dentro. Depois de salvar seus entes queridos e animais de estimação, você tem tempo para fazer, com segurança, uma última entrada para salvar um item. O que seria? Por quê? Mateus: Difícil essa. Eu acho que as minhas bonecas. (Risos) Algo que eu colecione,
algo mais supérfluo. Acho que o mais importante já foi salvo, a vida. O resto seria algo mais supérfluo.
Pandemia e saúde mental foram palco para as nossas conversas. Ao falar sobre isso, Mateus explica que foi um período bem difícil para se reorganizar, mas também possibilitou um espaço para reflexão sobre a vida e a importância das coisas. O ilustrador é bem direto e
sincero quanto às suas características pessoais e cita a frieza, impaciência e teimosia como traços marcantes de sua personalidade.
Ai, como eu tô Bandida!
Foto: Reprodução do Youtube. Na imagem, Pabllo Vittar ao lado das criações de Mateus Forte.
Mateus Forte conseguiu chamar a atenção de algumas estrelas do pop brasileiro atual. Entre elas, a Pabllo Vittar. Em razão disso, as ilustrações do artista foram parar no clipe ‘Bandida’ da cantora com a Pocah. Os desenhos serviram de inspiração para compor os looks do clipe. Atualmente ‘Bandida’ já foi visto mais de 61 milhões de vezes.
Glenda: Qual foi o sentimento ao ver pela primeira vez a sua criação tomando vida e forma no clipe ‘Bandida’ da Pabllo? Atualmente, o clipe já tem mais de 61 milhões de views, como você se sente ao saber que muita gente já viu seu trabalho através do clipe?
Mateus: A gente fica bastante feliz de ver o trabalho ser reconhecido, ainda mais por uma artista que eu sou fã e admiro muito. Então foi um prazer enorme, quando eu assisti o clipe fiquei bastante feliz e emocionado, em ver a roupa em movimento.
Você fala assim: 'caracas, foi eu que criei isso'. E ver muita gente falando bem e elogiando aquela sua arte.
Glenda: Você recebeu mensagem da equipe ou da própria Pabllo? Como foi esse contato?
Mateus: Eles entraram em contato comigo, avisaram que iriam fazer o look, me falaram sobre a proposta do clipe, me falaram como ia ser, eu aceitei e falei que podia fazer. E às vezes, a Pabllo interagia comigo, então acho que a ideia foi dela da escolha dos looks que inspiraram o clipe.
Glenda: Que tipo de sensação você tem ao abrir o YouTube e ver o clipe da Pabllo ou passar por um local e ver o clipe tocando?
Mateus: Me sinto orgulhoso de ver o quão grandioso alguém aqui do estado conseguiu ser, ainda mais um artista LGBT, né? Num estado tão preconceituoso. E conseguir não como a maioria da população queria, mas estou levando o nome de uma cidade pro Brasil.
Glenda: Você já foi notado por vários artistas, né? Glória Grover, Little Mix, Iza, Pabllo entre outros, quais desses você mais vibrou e te deixou mais empolgado?
Mateus: A Iggy, por ser a primeira. Eu acho que sempre que algum deles me nota eu fico feliz, porque são artistas que eu gosto bastante e admiro e se eu fiz é porque eu gosto bastante deles.
Excêntrico, único, indivíduo e meio fora da caixinha!
Mateus é DJ e performa como drag queen em boates locais, no entanto, com maior frequência é possível ver seus looks nas redes sociais, por se considerar tímido ainda prefere o ambiente privado, muito embora suas publicações no Instagram sejam vistas por milhares de pessoas. O look para os eventos artísticos são criados pelo próprio artista. Isso inclui as maquiagens, cabelo, roupas e performances. O artista se considera introvertido, tímido, calmo e até introspectivo. O que contrasta com sua performance nas redes socais e festas nas quais atua como DJ. Isso é curioso e, ao mesmo tempo, interessante. A ambivalência dos papéis sociais sejam eles privados ou públicos são melhor explicados por Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço. Segundo sua premissa ninguém é puramente introvertido ou extrovertido, no
primeiro caso o indivíduo é orientado para seu interior, a energia dos introvertidos segue de forma mais natural em direção ao seu próprio mundo interno.
Elvis Sousa, amigo de Mateus diz que o DJ chamou sua atenção, ainda em 2014, e ficou bastante surpreso quando descobriu que ele era daqui de Boa Vista. ‘Em 2016 eu comecei a sair pras festas e em uma delas (Rocknbeats) e eu encontrei o Mateus e fiquei admirado com visual exuberante e o set list incrível dele. Foi um caso de amor à primeira vista‟. O amigo explica que Mateus gosta de ser independente, fazer as coisas sozinho e isso, dificulta o convívio com as outras pessoas. „Ele tem uma timidez muito grande por mais que ele use looks incríveis e trabalhe na noite. A personalidade muito reservada, não é de muitos amigos, mas com os poucos que têm é muito brincalhão e debochado. E quem vê ele usando looks maravilhosos nem imagina que seja tímido‟.
Neste caso, Mateus é um introvertido performático. Mateus dá sinais de sua introversão ao passar a infância e adolescência concentrado em seus próprios pensamentos e sentimentos, em seu mundo interior. Na vida adulta, naturalmente, passou a se envolver com o mundo externo alternando em ciclos de contração e ciclos de expansão. As criações de Mateus refletem sua própria persona, ou seja, a forma como ele gostaria de se apresentar ao mundo. O caráter que assume, e é através dela ele se relaciona com os outros e materializa seu próprio trabalho, se expressa, se veste, se protagoniza enquanto sujeito ativo de suas próprias escolhas.
Glenda: Você é um jovem nascido nos anos 90 (1996), quais foram as suas maiores inspirações no mundo artístico? Seja na TV ou na internet.
Mateus: Eu sempre fui consumidor do mundo pop, tudo o que sempre foi popular,
cantores, desenhos, animes, sempre me inspiraram. Principalmente esse universo feminino, como as cantoras Britney, Beyoncé, Christina Aguilera, os desenhos antigos, Três Espiãs Demais, Meninas Super Poderosas, Sailor Moon, e também as séries, como As Visões da Raven, essas séries teens que passavam na Tv Globinho, no SBT. Eu era bastante consumidor disso. Então isso contribuiu bastante pra construção da minha estética, me inspirou bastante.
Glenda: O que levou você a decidir pelo Curso de Artes Visuais e não ao curso de Moda, por exemplo? Você consegue linkar o curso que faz com o trabalho que desenvolve? De que forma?
Mateus: As pessoas só falam que devia cursar moda, mas as pessoas só falam e não sabem a dificuldade por trás. Porque aqui na cidade não tem o curso, e é um curso que só existe em escolas particulares e é um curso bem caro. E que a maioria dos alunos gasta bastante dinheiro pra desenvolver coleções e Artes Visuais foi o mais perto que consegui encontrar aqui, e numa universidade pública. Eu consegui com o curso de Artes Visuais aprimorar algumas técnicas e também teorias, que eu não sabia e que me ajudaram a desenvolver meu trabalho e a evolução dele.
Glenda: De que forma o trabalho como ilustrador, drag e DJ ajudou no processo de identidade negra e LGBTQ?
Mateus: Quando você é adolescente, começa a perceber algumas coisas, por exemplo, a falta de representatividade, tanto em capas de revistas, em protagonismos de séries, em televisão, ou qualquer outra mídia. Então com a minha arte eu sempre criei personagens que eu me identificasse e que me representasse. Então foi a partir daí que eu comecei a encontrar meu traco e a me encontrar. Como pessoa preta e LGBT. E como DJ eu pude ter outra experiência de expandir a minha arte, porque antes eu ficava só no papel e assim eu consegui trazer pra vida algumas modalidades, como artista visual, consegui me tornar um artista mais visual ainda. Saindo do 2D eu pude experimentar com a música e eu gostei bastante, e também com figurino era algo que eu sempre tive vontade e nunca tive oportunidade de fazer, então a cada noite era um desafio pra mim e também uma forma de me expressar. A performance como drag é só no meu quarto (risos).
Glenda: Mas você já chegou a sair montado na rua?
Mateus: Já saí algumas vezes, mas é muito difícil nesse calor. (Risos)
Glenda: Como as comunidades LGBTQIA+ e negra podem mobilizar ativismos e empoderamentos através das expressões artísticas? Quais referências você passa para esses públicos e artistas?
Mateus: Pra qualquer pessoa LGBT e preta já estar viva é algo bastante representativo e importante, porque já é uma vitória. A gente sabe os riscos e os perigos, de andar por aí… de existir, né? Eu acho que você fazer o que gosta e não
ligar pra opinião já é uma resistência e se incomoda as pessoas já é um lado positivo, porque a gente vê que está progredindo, abrindo mais caminhos e mais portas pra outras pessoas.
Glenda: Eu vi que você tem um canal no YouTube. Quais tipos de conteúdo você produz para essa plataforma e qual tipo de público você quer alcançar? Percebi também no seu canal que, especialmente nos vídeos de D.I.Y e tutoriais você recebe muitas mensagens em inglês. O seu público também é de fora? Eles te conheceram através dos cantores internacionais ou pelo próprio YouTube? Fale mais sobre isso.
Mateus: É sim de fora, é bom porque no mundo globalizado e na internet a gente consegue alcançar públicos que você jamais imaginaria uns 10 anos atrás. Gente te seguindo, gente te mandando mensagem e te apoiando. E com a internet até famosos te encontrando e comentando. Meu público a maioria é brasileiro, mas a maioria não é daqui (Roraima), infelizmente. Porque meu reconhecimento foi graças à internet de fora até chegar aqui. Acho que no YouTube foi reconhecido mais pela pesquisa, o algoritmo é diferente, talvez muita gente nem saiba do meu trabalho fora do Youtube.
Glenda: De que forma você imprime a sua personalidade nos desenhos?
Mateus: Excêntrico, único, individual e meio fora da caixinha. (Risos) Eu sou bem diferentão até no meu estilo, eu gosto de algo novo, inovador.
Glenda: O que mais te motiva a continuar desenhando, criando?
Mateus: Eu acho que é ver que as pessoas também gostam e que mesmo não sendo tão monetizado, é algo que me faz bem, é como uma terapia e me motiva a continuar.
Glenda: Que mensagem o Mateus Forte quer passar pro mundo através do trabalho?
Mateus: Autenticidade. Ser você mesmo, não ligar pro que os outros pensam e ser você.
Glenda: E como drag, como é esse processo? Me conta um pouco sobre as performances? Como é ser uma drag queen em Roraima? No extremo norte do Brasil? Sabemos que o preconceito aqui é grande...
Mateus: Pra você ser drag, tem que porque você gosta e não esperar ganhar dinheiro. Porque aqui ainda não há grandes oportunidades pra esse público. Não tem contratantes, eles não valorizam muito isso. Eu comecei mesmo porque assistia reality shows e comecei a tentar, comecei a me maquiar, a maquiagem foi um caminho, fui aprimorando, via tutorias de maquiagens...e até que decidi tentar fazer drag. Seria mais uma expansão da minha arte. Eu prefiro ficar só no meu quarto, porque se eu for sair na rua vou derreter. (Risos)
Glenda: Como você descreve a sua identidade de gênero e sexualidade?
Mateus: Eu sou gay, e me considero uma pessoa cis. Eu não tenho muita questão com pronomes.
Glenda: Você já sofreu algum tipo de discriminação, preconceito ou olhares reprovadores? Como é ser uma drag LGBTIQA+ e negra? Como você se vê dentro dessas duas minorias?
Mateus: Eu acho que antes de eu me autodescobrir e entender o que sou eu mesmo tinha esse preconceito na minha cabeça. Seja por considerar errado ou pecado. E como negro, você percebe que é negro quando alguém te fala, te xingam ou sofre preconceito quando criança. Comentários infelizes que deveria ter ficado quietos, comentários de parentes que podem criar traumas e gatilhos pra vida inteira.
Glenda: Como você acha que pessoas LGBT podem ocupar mais espaços dentro da sociedade?
Mateus: O seu trabalho tem como consequência um engajamento social? Se sim, de que forma você demonstra isso nas suas criações? Meu trabalho representa pretos e LGBTs e levantar a bandeira e expandir isso entre os roraimenses.
Glenda: Como é a sua experiência e relação com a Universidade Federal de Roraima? Vi que você participou do vídeo institucional do aniversário da UFRR né?
Mateus: A universidade é um local de descoberta. A gente entra com várias expectativas. É uma relação positiva, mas poderia ser mais positiva. (Risos)
Glenda: Como você se vê daqui 10 anos? Profissionalmente, emocionalmente, intelectualmente (aspectos pessoais e profissionais)?
Mateus: Espero estar tudo estável (risos). Espero conseguir realizar todo o que eu quero. Ser mais estável e talvez ajudando mais pessoas.
Glenda: Você acredita ser uma inspiração para outros colegas e artistas?
Mateus: Sim, às vezes diretamente e mais indiretamente. Eu percebi que inspirei os traços de vários seguidores. Quando comecei algumas pessoas riram outras amaram, quem riu antes hoje elogia. Servi de inspiração.
Glenda: Existe alguma outra coisa que não falamos que você considera importante ser mencionada?
Mateus: Que eu estou solteira. (Risos)
MATEUS FORTE A.K.A MAPHEUS
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