- Por Caique Rodrigues, Camila Salustiano, Fernanda Vasconcelos, Leandro de Sousa e Maria Cecília
Capa do programa da Semana de Arte Moderna
(Foto: Di Cavalcanti/Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros – USP)
Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, pintores, arquitetos, músicos e poetas brasileiros da época se reuniram com intuito de mudar a arte e trazer inovação para o cenário artístico do Brasil. A Semana da Arte Moderna estreou o movimento modernista no país, foi alvo de críticas e causou uma revolução no cenário cultural, influenciando, inclusive, o jornalismo.
O Modernismo tinha como objetivo se afastar totalmente do tradicionalismo por meio da liberdade estética, valorização do novo e, principalmente, mobilizar a independência cultural do país. No Brasil, o movimento contou com artistas Anita Malfatti, Mário de Andrade, Lasar Segall, Di Cavalcanti, Heitor Villa-Lobos, Cândido Portinari, Menotti Del Picchia, Victor Brecheret, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.
Entretanto, por abordar ideias modernas demais para o tradicionalismo da época, o evento, que aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo, não foi tão bem recebido pela sociedade e foi alvo de duras críticas pelos jornais. Mas, afinal, se foi duramente criticada pela sociedade e pelos meios de comunicação, como a Semana da Arte Moderna influenciou tanto o jornalismo e permanece relevante até os dias atuais?
A Semana e o jornalismo cultural
Como explica Sandra Gomes, jornalista e professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Roraima, o Brasil de 1922 ainda era um país de característica rural, dando início à industrialização e com uma sociedade que estava mudando os hábitos de acordo com o movimento migratório para as grandes cidades.
“A sociedade dependia de jornais, revistas, cinema e folhetins como os únicos meios de comunicação. Importante lembrar que o rádio surgiria apenas no final de 1922 e a TV, em 1950, 30 anos depois”, ressalta.
Na época, os cadernos semanais de grandes jornais e revistas eram as vitrines da produção cultural. Livros, espetáculos, filmes, exposições e artistas de todas as áreas disputavam um espaço editorial limitado, mas consagrado por fomentar a cultura.
Por influência do Modernismo, priorizou-se uma releitura dos valores tradicionais brasileiros, apontando para uma visão mais real da cultura brasileira em toda a sua riqueza. Assim, ficou claro que o jornalismo também precisaria passar por mudanças.
“Para o jornalismo, representa uma reorganização do pensamento artístico nacional e uma compreensão, por parte dos veículos de comunicação, de que a cultura brasileira precisava de mais espaço. Essa postura destaca a importância de criar e manter editorias de cultura, que possam retratar a riqueza do país, falando dos brasileiros e para os brasileiros”, analisa Sandra.
A professora também analisa que a Semana da Arte Moderna mostrou a necessidade de fugir dos rótulos e conceitos externos e que a busca dos modernistas pela ruptura e a busca por liberdade estética, para o jornalismo cultural significa um reforço para a cultura brasileira e seus diversos aspectos.
Inovações
Anúncio sobre a Semana da Arte Moderna (Reprodução do jornal Estadão)
Nesses 100 anos após a Semana da Arte Moderna, é possível identificar características do evento no panorama atual do jornalismo cultural. O professor Simão Farias Almeida do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Roraima analisou que foram incorporadas as técnicas editoriais modernas de lead, pirâmide invertida e deitada durante a cobertura jornalística.
“A editoria de cultura mantém-se nutrida de uma ideologia contra formas políticas e econômicas de opressão, apesar de manter atrativos artísticos distintamente para classes sociais distintas”, ponderou o professor.
Quando perguntados sobre o que ainda pode ser feito no jornalismo cultural, com base nos valores enfatizados na Semana de 22, os jornalistas e professores da UFRR concordam que é preciso inovar.
Para Sandra Gomes, é preciso “aproveitar melhor as ferramentas digitais para ampliar as narrativas jornalísticas, além de ampliar o olhar e a participação dos diferentes e variados grupos culturais, que fazem a realidade brasileira em todas as suas regiões. Acho que esses dois aspectos são um bom começo”.
Já para Simão Farias, “os modernistas de 1922 faziam mais uso de marketing cultural, apesar deste termo ainda não ser conhecido, provavelmente para formar públicos para as novas expressões artísticas modernas. O jornalismo cultural, na atualidade, anda muito engessado pelas técnicas editoriais jornalísticas, perdendo o profissionalismo e a criatividade das revistas especializadas da passagem do século XX ao XXI”.
A Semana no jornalismo
Antes mesmo de acontecer, a Semana de Arte Moderna já não era bem-vista por alguns. Convidado por Alcântara Machado e Graça Aranha para participar do evento, Assis Chateaubriand, o Chatô, dono dos Diários Associados, fez dura crítica.
“Essa semana de arte de vocês não abalará coisíssima alguma. Será no máximo uma semana de secos e molhados. Não contem comigo”.
Segundo Sandra Gomes, a imprensa brasileira, em sua maior parte representada pelos jornais em São Paulo, se dividiu entre críticos e quem era a favor, pois tinham entre seus repórteres diversos colaboradores e entusiastas do movimento modernista. “A polêmica crescia, e as vendas também, favorecendo a todos os veículos e ao movimento modernista, que não passou despercebido”.
“A crítica de arte da época ainda era muito impressionista no sentido de qualificar as obras de arte, apesar dos modernistas do evento lidarem com termos novos e complexos, como futurismo e vanguardismo. Os articulistas de opinião e cronistas emitiram em geral, críticas subjetivas, atribuindo à Semana de Arte Moderna o caráter de um evento de revolucionários ou de loucos”, explica Simão Almeida.
A desaprovação foi constatada por jornais, como a Folha da Noite, atual Folha de S.Paulo. “Não é só um problema de estética, mas deve ser estudado como fenômeno de patologia mental”, disse o colunista Mario Pinto Serva, que enxergava, nos modernistas, “um estado de espírito mórbido”, o “desequilíbrio de alguns cérebros”, “espíritos fracos” e “incapacidade mental”.
Cinco anos antes da exposição, havia sido publicado um artigo no Estadão em que Monteiro Lobato destilou várias críticas às obras de Anita Malfatti, um dos maiores símbolos do Modernismo no Brasil, comparando uma pintura aos “desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios”.
Após o evento, o mesmo jornal avaliou que a abertura da Semana em certos momentos lembrava a noite de estreia de Tórtola Valencia, em referência à bailarina espanhola Carmen Tórtola Valencia, especialista em danças orientais, que havia decepcionado os paulistas no Municipal em 1921 com sua “figura volumosa, de mocidade suspeita”, como noticiou a revista A Cigarra.
Charge do cartunista Belmonte sobre a Semana (Reprodução CNN)
No entanto, com o decorrer dos anos, o evento foi tendo sua importância reconhecida e sendo celebrado com mais entusiasmo e independência pelo público.
Simão relembra que no aniversário de 50 anos da Semana de Arte Moderna, em 1972, a comemoração foi mais festiva, tendo em vista que em 2022, no centenário, os críticos buscam incluir a renovação dos ideais dos modernistas com artistas da atualidade.
“Isso é bom, porque a arte, na atualidade, possui outras demandas de identitarismo preto, feminista, LGBTQIAP+, de vivências subjetivas, individuais e coletivas com a diversidade e o corpo”, comenta Simão.
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