A Semana de Arte Moderna também é marcada pelos críticos
- Manual Pesquisa
- 23 de mar. de 2022
- 8 min de leitura
Atualizado: 9 de jan. de 2023
Professores da UFRR destacam a influência do evento para a arte brasileira
- Por Adriele Lima, Ingryd Mayrla, Júlio Sansão, Luísa Stela e Victória Teixeira

Imagem: Divulgação
"Estou farto de falar e de ouvir falar sobre Modernismo [...] Que esperassem o centenário. Se no ano 2022 ainda se lembrarem disso, então, sim", contestava Manuel Bandeira durante a comemoração de 30 anos da Semana de Arte Moderna, em 1952.
O que parecia uma previsão improvável para o famoso escritor, se concretizou. Este ano, o Brasil comemora 100 anos da Semana de Arte Moderna que marca a arte e a cultura brasileira. Evento que aconteceu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Idealizado por intelectuais como Mário e Oswald de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira e Di Cavalcanti, o evento quebrou os rígidos e conservadores padrões estéticos vigentes à época.

A ruptura com a arte clássica, impulsionada pelo desejo da representatividade do nacionalismo nas expressões artísticas, teve forte influência dos movimentos vanguardistas e futuristas europeus. Apesar da notória contribuição do evento para a ressignificação das manifestações artísticas e culturais brasileiras, o centenário da Semana da Arte Moderna ainda suscita discussões.
A origem dessas divergências se estabeleceu, principalmente, entre os intelectuais da época. Contudo, o papel da imprensa foi imprescindível para a construção da imagem e projeção dos debates a respeito do movimento. As polêmicas, contribuíram para que o público olhasse para o cenário artístico que emergia, consolidando o modernismo e a Semana de 1922.
As críticas de Oswald de Andrade no artigo Em prol de uma pintura nacional e o duro artigo A propósito da exposição Malfatti, de Monteiro Lobato sobre a exposição de Anita Malfatti, tiveram grande repercussão na opinião pública a respeito das artes plásticas brasileiras.
A REPERCUSSÃO DA CRÍTICA
O momento do centenário da Independência do Brasil em 1922 era o cenário perfeito para difundir o Modernismo e, também, para propor uma reflexão sobre o futuro da arte brasileira e da identidade nacional. Por meio de influência política e de meios financeiros, o investidor e mecenas das artes Paulo Prado foi importante para promover a Semana de Arte Moderna. Além dele, o escritor e diplomata Graça Aranha também participou da organização do evento, o que colaborou para aumentar o reconhecimento do festival perante os críticos.
Alguns anos antes da Semana de Arte Moderna, em 1917, a pintora brasileira Anita Malfatti, que havia estudado na Europa, realizou sua segunda exposição. Ela é considerada pioneira do Modernismo no Brasil e sua exposição foi duramente criticada por artistas conservadores, principalmente pelo artigo A Propósito da Exposição Malfatti, do escritor Monteiro Lobato, que foi considerado agressivo pessoalmente contra a artista. Isso promoveu a união dos modernistas brasileiros para melhor difundir seu movimento artístico, que também utilizavam das críticas como divulgação.
Segundo o professor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Simão Farias, as críticas e os artigos de opinião publicados nos jornais a respeito do festival tiveram um efeito mais positivo do que negativo.

“Na verdade, contribuíram mais do que afetaram, pois reproduziram as contradições entre vanguarda e Brasil profundo, financiamento pelas elites econômicas e atraso que seus artistas disseminaram”.
Imagem: Arquivo Pessoal
Simão explica que a Semana de Arte Moderna repercute até os dias atuais porque movimenta a economia da cultura e a opinião pública para todos os gostos. Mas que no caso de Monteiro Lobato, as críticas eram uma forma de lucrar sendo divergente quanto ao movimento e somente quando lhe beneficiava.
“Lobato estava nesse furacão de polêmicas, contradições planejadas e opiniões convenientes a seus pensadores. O escritor Oswald de Andrade, que participou do evento, criou holofotes por meio de polêmicas. A diferença no caso de Monteiro Lobato é que ele virou os holofotes para o seu trabalho de escritor e editor”, refletiu Simão.

Imagem: Divulgação
Tais atitudes críticas e polêmicas de Lobato também estavam presentes em suas narrativas, principalmente no Jeca Tatu, personagem sertanejo da literatura brasileira descrito como preguiçoso. Conforme o professor, essas produções e personagens eram regados de ironia, repercutiam mais que as produções da Semana de 22 e foi uma previsão de polêmicas que deu certo.
“Tratar o personagem como preguiçoso e doente não estava apenas nos planos de criticar o atraso dos sertões brasileiros. Inclusive, o personagem caipira foi usado em panfletos para vender xarope e se tornou proprietário de terras e comunista. Seu regime de estratégias literárias e editoriais inclui o modus operandi do jornalismo de polemizar para vender, usando estereótipos e estigmas do caipira como forma de defender a modernização do país, o que era de fato o que as elites políticas e econômicas queriam ler”, explicou.
Além das críticas de Monteiro Lobato ao movimento, alguns jornais da época também publicaram escritos de editores contra o modernismo e outros que simplesmente ignoravam as obras modernistas. As principais conquistas do festival foram quebrar a resistência a novas maneiras de fazer arte no país, pôr os artistas brasileiros em contato uns com os outros e trazer novas influências artísticas. Essa era a ideia discutida e apresentada por Mário de Andrade anos depois da Semana de 22.
A reunião de diversos artistas na Semana de Arte Moderna propiciou um ambiente favorável para o surgimento de várias revistas, movimentos e manifestos artísticos nos anos seguintes.

Alguns desse movimentos foram a revista Klaxon apenas três meses após o festival, a revista Estética, o movimento Pau Brasil que propunha uma arte brasileira exportável tal qual a madeira, o Manifesto Regionalista de Gilberto Freyre publicado no Recife, que criticava uma centralização paulista das artes brasileiras e o movimento Antropofágico cujo manifesto escrito por Oswald de Andrade alegava que as artes e culturas estrangeiras deveriam ser ‘deglutidas’ e ‘digeridas’ sob a forma de uma arte tipicamente brasileira.
Capa da primeira edição do semanário
MULHERES NA SEMANA DE 1922

Na fileira da frente, da esquerda para a direita: Pagu, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Elsie Houston e Eugênia Álvaro Moreyra.
(Imagem reprodução de Brasil de Fato)
O evento se tornou um marco cultural devido à presença das mais diversas formas de expressões artísticas que ambicionavam romper com a linguagem tradicional da época e retratar uma identidade genuinamente brasileira.
Todavia, mesmo sendo considerado um marco, foi muito questionado e criticado na época, tanto pela parte dos conservadores que realizavam críticas à estética do modernismo retratado, sendo classificado como "um escândalo" e até mesmo "um fracasso", quanto por parte de alguns veículos de comunicação da época que criticavam as relações entre o modernismo e a elite cafeeira. Apesar disso, é impossível negar a importância que a Semana de Arte Moderna teve para as artistas mulheres.
As artistas mulheres brasileiras do século XVIII e início do século XX eram menos reconhecidas ou até apagadas da história da arte. Após a Semana de Arte Moderna de 1922, com os nomes de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, as mulheres foram de fato reconhecidas como importantes para a história cultural do Brasil.

Segundo a poeta, historiadora e professora do curso de Artes Visuais da UFRR, Elimacuxi, por serem mulheres independentes que viajaram para fora do Brasil, estudaram e se lançaram na vida pública por meio das artes, já é considerado inovação para a história da arte brasileira. Mas é importante destacar que essas mulheres eram brancas, de classe alta e, portanto, tinham mais facilidade para estar presentes nas artes.
A pintora Anita pode ser considerada uma das artistas mais criticadas devido à crítica de Monteiro Lobato às suas obras pré-modernas.
“As medidas da proporção e do equilíbrio na forma tantas qualidades inatas, das mais fecundas na construção duma sólida individualidade artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios de um impressionismo discutibilíssimo, e pôs todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura”, diz trecho da crítica do escritor, publicada em O Estado de São Paulo, em 20 de dezembro de 1917.
Mesmo sendo amigo de Anita, Lobato não poupou palavras para fazer a crítica. Para alguns estudiosos tal atitude teve tom machista. Conforme a professora, o início dessa movimentação feminina na arte foi evidenciado devido a uma “série de críticas machistas justificadas apenas por serem obras de artistas femininas”. Sendo assim, “um texto bem maldoso e cômodo para ele [Lobato], uma vez que já havia tido uma exposição anterior aqui no Brasil, mas como era de um artista homem, não teve as mesmas críticas. Só que as características da pintura eram muito semelhantes”, completou Elimacuxi.
No mosaico vemos a Anita Malfattie ao lado uma de suas obras, logo em seguida Tarsila do Amaral e abaixo algumas de suas obras.
Embora Tarsila do Amaral e Anita Malfatti tenham sido as mais comentadas durante a Semana de Arte Moderna, devido às críticas sobre suas obras que repercutem até hoje, outros nomes também contribuíram de forma efetiva para esse movimento das mulheres na arte.
“Mas é claro que não foram apenas Tarsila e Anita que foram importantes. Nomes da literatura, como Cecília Meirelles, que produziu várias obras em diversas línguas também contribuíram bastante para o movimento”, ressaltou Elimacuxi.
Outras mulheres que também se destacaram foram a pintora Zina Aita, a pianista Guiomar Novaes e a introdutora das artes têxteis no Brasil Regina Graz. Após o evento da semana, a escritora Patrícia Galvão, conhecida como Pagu, também ficou conhecida pela contribuição na representação da antropofagia com Tarsila e Oswald.
DEPOIS DA SEMANA DE 22

“Oh! Semana sem juízo. Desorganizada, prematura. Irritante. Ninguém se entendia. Cada qual pregava uma coisa. Uns pediam liberdade absoluta. Outros não a queriam mais. O público vinha saber. Mas ninguém lembrava de ensinar. Os discursos não esclareciam coisa nenhuma. [...] A Semana de Arte Moderna não representa nenhum triunfo [...]. Foi uma demonstração que não foi. Realizou-se. Cada um seguiu para seu lado, depois. Precipitada. Divertida. Inútil”.
O trecho acima foi retirado das Crônicas de Malazarte-VII, publicado na Revista América Brasileira, em 1924, e retirado da biografia de Mário de Andrade, Em busca da alma brasileira.
A reação negativa da Semana da Arte Moderna não foi inesperada, pois, partindo de um movimento que tem como principal característica a ruptura estética da época, o modernismo chegou para causar escândalo. Segundo os jornais da época, o objetivo dos artistas que participaram da semana era revolucionar. Já o público presente naquele momento, que era apegado aos padrões europeus antigos, se recusou a chamar as apresentações de arte.
Ao que parece, a Semana de Arte Moderna não teve repercussão positiva imediatamente, mas, com o passar dos anos, conseguiu alcançar uma importância histórica, influenciando toda a cultura brasileira ao longo do século XX. Mesmo que em alguns casos estivesse em desacordo com as ideias dos iniciadores do movimento.
Segundo a Casa Mário de Andrade, em 1935, o escritor expressava grande simpatia pelo enaltecimento dos símbolos nacionais neste período, contudo era um forte crítico do Projeto Nacionalista de cunho mais conservador, a proposta consistia no investimento estatal na cultura nacionalista.
Em 1942, apesar de Andrade desacreditar do exemplo da Semana de Arte Moderna como contribuição ao Brasil por não ter melhorado o brasileiro como ser político-social, o movimento modernista deu um pontapé aos livros, pinturas e músicas nacionais com a cara do país.
A Semana de Arte Moderna é um dos eventos mais pesquisados e documentados do Brasil. De acordo com a professora, a influência das críticas para a repercussão do evento pode ser percebida através da história construída pela academia e pelas instituições.
“As críticas à Semana de 22 influenciam a arte brasileira porque essas constroem e dão tamanho muito importante ao movimento. Tal a maneira que todo mundo que produz arte no Brasil, e de certa forma, discute essa origem e a sua relação com o movimento. Seja para se filiar ou não”, disse Elimacuxi.
Como exemplo do movimento em Roraima na atualidade, a professora cita o artista Eliakin Rufino, que apoia o modernismo e dá continuidade à arte moderna com o projeto Roraimeira. Assim, como gritava Mário de Andrade para a plateia que o vaiava durante seu discurso em 1922, “Os velhos morrerão!”, após cem anos, o grito dos modernistas continua sendo ouvido em alto e bom som.
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